Trabalhando como professor no ensino fundamental tenho me deparado com uma triste realidade: a percepção distorcida que nossos educandos possuem sobre a relação escravidão-etnia-raça negra.
Corrigindo provas de alguns alunos da sétima série do ensino fundamental é comum encontrar a seguinte resposta para as perguntas “quem eram os escravos na Roma antiga? Como eles se tornaram escravos?”: “os escravos eram os negros que vinham da África para Roma”. Confesso que fiquei assustado, não pelo erro (que faz parte da aprendizagem), mas pela herança cultural, maldita, que naturalizou nossos estudantes com a idéia de que todo escravo, independente de contextos históricos, é e sempre será negro e vindo do continente africano.
Criticamente, eximindo nossos jovens de qualquer culpa sobre esta visão distorcida da história, pensemos: por que isso acontece?
Tamanha distorção é fruto das atitudes de nossos negros que diante de qualquer debate social e econômico fazem questão de enfatizarem, sem os devidos cuidados conceituais, as heranças coloniais e escravistas que não só impediram a plena participação do negro na sociedade brasileira como também transformaram o continente africano num “continente excluído”.
É salutar que nossos alunos adquiram consciência social, espírito crítico e percebam que não é por acaso que grande parcela de nossos desempregados, marginais, população carcerária, sem-tetos, favelados, são indivíduos de traços negróides (termo antropológico). A nossa herança cultural, os nossos mais de trezentos anos de uso dos negros africanos como escravos, a nossa falsa e hipócrita abolição de 1888 (sem inserção social, sem projetos) que objetivava agradar aos ingleses que aqui desejavam a implantação do trabalho assalariado e a formação de um mercado consumidor crescente, são determinantes, condicionantes, para a situação de exclusão e miserabilidade de nossos irmãos e cidadãos negros do Brasil.
Como historiador, e antes educador, é meu dever corrigir distorções sobre o conhecimento histórico em sala de aula. O escravo negro trazido da África para as Américas é uma das manifestações de uma cruel organização e divisão do trabalho conceituada como “Escravismo”. O escravismo romano, trabalhado pelos alunos, não possui caráter étnico, mas econômico e militar. Os romanos escravizaram caucasianos como os macedônios, os gregos e os gauleses, mongolóides nas regiões mais orientais de seu Império, negróides como os cartagineses do norte da África e mestiços como os povos da península arábica.
Cabem aos negros brasileiros uma nova postura diante do trágico antepassado escravista: ao afirmarem a palavra “escravidão” substituam-na pelas expressões “Escravismo Colonial” ou mesmo “Escravismo Moderno” e certamente, em algumas décadas, nossos jovens saberão que o escravismo não é um fenômeno exclusivo dos negros africanos mas sim que é um artifício econômico dos mais sórdidos da história de toda a humanidade, e que ainda por cima possui uma variedade de aspectos determinados pelo contexto histórico em análise.
TIAGO DE CASTRO MENTA É BACHAREL E LICENCIADO
ATUA COMO PROFESSOR DA EDUCAÇÃO BÁSICA NA REDE PÚBLICA DE ENSINO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
ENSAIO PRODUZIDO COMO MATERIAL DE APOIO AO PROJETO “CONSCIÊNCIA NEGRA” DA ESCOLA ESTADUAL DEPUTADO ÁLVARO SALLES
Um comentário:
Caríssimo Thiago.
Você como educador atento, não poderia cobrar em uma avaliação, o que não foi trabalhado em sala de aula, “imaginando” que seus alunos, que só ouviram falar em escravidão negra, fizessem outro tipo de relação.
A tempo, o escravismo europeu também não tinha um caráter étnico, mas sim cultura e religioso. E em relação à idéia “... agradar aos ingleses que aqui desejavam a implantação do trabalho assalariado e a formação de um mercado consumidor crescente”. É um pouco simplista, você não acha?
Em momento de crise, como vive hoje a educação, o caminho é a união e não a critica.
Um abraço.
Alexandre.
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