terça-feira, 9 de outubro de 2007

AS DROGAS MATAM - A HIPOCRISIA MATA MAIS


Amigos e amigas, aproveitando o gancho do filme “Tropa de Elite” e do livro “Elite da Tropa” quero aqui despertar um debate, uma reflexão, em torno de um assunto muito delicado, quase tabu: a descriminalização das drogas.

O filme e o livro abordam pelo viés policial (BOPE – Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro) a guerra vivida diariamente em metrópoles brasileiras como o Rio de Janeiro. Guerra causada pela venda e consumo de drogas, pela organização do tráfico. As metrópoles brasileiras tornaram-se locus dos mais violentos do mundo, onde diariamente um número acentuado de vidas humanas são perdidas (em dados oficiais a soma da violência urbana no Brasil supera, em número de óbitos, as contagens encontradas em conflitos como o que hoje se desenvolve no Iraque ocupado pelas tropas norte-americanas).

O quadro que hoje assistimos é caótico: polícia mal equipada e mal paga, com altos índices de corrupção, o estabelecimento de poderes paralelos ao Estado brasileiro nas mais diversas favelas e áreas periféricas do país, entrada descontrolada de armas, miséria e subdesenvolvimento que obrigam crianças e adolescentes a trabalharem para o crime, crise de valores que fazem com que crianças e adolescentes consumam mais e novas drogas (desde o menino de rua que fuma crack na calçada, passando pelo jovem de classe média que fuma maconha na universidade, até os mais ricos que cheiram cocaína ou tomam ecstasy no meio de baladas, festas have, orgias, etc).

Combater o tráfico na base da porrada pode agradar muitos, inclusive legitimando o uso da tortura como método policial. Muitos ao assistirem o capitão Nascimento (personagem de Wagner Moura em Tropa de Elite) espancando traficantes, moradores de favelas, estudantes e usuários de drogas, o aplaudem como que se o personagem assumisse entre nós a figura de “paladino da justiça”, como aquele que desfere a nossa vingança sobre este mundo do crime que hoje nos incomoda e nos escraviza (afinal não estamos mais livres nem em nossas casas, que diria nos sinais de trânsito, nas ruas). Capitão Nascimento vai se tornando, para setores da sociedade brasileira (como Luciano Huck indignado após recente assalto sofrido no bairro do Jardins em São Paulo quando assaltantes em uma moto levaram-lhe o relógio Rolex de ouro) um herói, quando na verdade ele funciona como uma espécie de “detetizador”, como alguém que entra em nossas casas e elimina todas as baratas, formigas e demais insetos indesejáveis.

Capitão Nascimento é um funcionário a serviço da limpeza, da limpeza urbana, da limpeza social – ele entra na favela, como manda a filosofia do BOPE, e sua missão é simples: matar! (leia-se: limpar).

Porém, a sociedade se enganou numa coisa – a limpeza, na base da violência, utilizando os vários “Capitão Nascimento” de nossas organizações e instituições de segurança, não se mostra suficiente para combater, no âmago, a questão do tráfico de drogas. E para este problema, em meu entendimento, só há um solução, coincidentemente liberal por excelência: a descriminalização.

Por que existe tráfico? Por que ele é tão poderoso em armas e capital financeiro? Por que ele tem poder de influência? A resposta para estas perguntas é uma só: porque o tráfico, a condição de ilegalidade, proporciona tudo isso, todo este poder. O exemplo maior retiramos dos Estados Unidos no início do século passado quando sua sociedade puritana instituiu a chamada “Lei Seca”, proibindo a venda e o consumo de álcool em território norte-americano, resultado: a máfia de Al Capone e de outros chefões do crime, organizado em torno do tráfico de bebidas alcoólicas, que logo se somava a outros crimes como o jogo e a exploração sobre a prostituição. Al Capone a máfia que se instalou na sociedade norte-americana são frutos do puritanismo besta que marca a cultura norte-americana.

Transpondo esta questão para a realidade brasileira a lógica é a mesma: proibir a venda e o consumo de cocaína, maconha, LSD, ecstasy, crack, etc, é ao mesmo tempo criar um mercado paralelo, proibitivo, portanto, mais lucrativo. Afinal, você pagará mais por algo que não encontra em qualquer esquina, assim já diz a lei simples da economia. Ao passo que quem lida com um mercado proibitivo, ilegal, terá que lutar contra as forças da legalidade, contra o Estado, e assim serão necessárias a compra de armas e outras estruturas de defesa. Logo, como atuam num mercado restrito e muito lucrativo conseguem adquirir suas armas com muita facilidade devido ao poder do dinheiro, e logo o mesmo poder do dinheiro comprará setores da sociedade, já que o dinheiro é instrumento eficaz quando o assunto é influência e corrupção. E assim uma simples proibição dá vida, dá energia, inicialmente a um mercado restrito e lucrativo, que em seguida se arma e se organiza para sobreviver enquanto ilegalidade (pois é mais lucrativa), e logo devido ao seu poderio econômico e até bélico está atuando na sociedade de forma a corrompê-la (a extorsão, a propina, a corrupção, a lavagem de dinheiro, o silêncio).

Como acabar com esta situação de caos, e com este ciclo de destruição, conflitos e mortes? Indo em direção ao âmago da questão: a proibição.

Com a descriminalização da droga não haverá mais tráfico. Todos poderão comprar, na farmácia mais próxima, em laboratórios, ou mesmo em padarias (cigarros de maconha, em maços como os ditos legais) a droga de sua preferência, alimentando o seu vício e assumindo, como indivíduo livre, a sua autodestruição (pois é fato que estas fazem mal a saúde e causam dependência físico/química/emocional como também o causam cigarros comuns, álcool, e alguns medicamentos). Com o mercado aberto os preços da droga cairão drasticamente, o que tirará delas a atração que hoje elas tem sobre os mais pobres e excluídos (ganhos rápidos e altos). Com a legalidade ninguém precisará comprar armas para defender o seu mercado lucrativo da ameaça do Estado e assim o tráfico de armas também se reduzirá. Menos armas, logo menos mortes.

Mas se é tão óbvio, por que não descriminalizam? Por dois fatores: um nosso, outro dos traficantes e de quem se beneficia do tráfico. O nosso diz respeito à hipocrisia e ao puritanismo da sociedade brasileira, que prefere ver seus filhos mortos nesta barbárie urbana do que assumir que faz uso e consome drogas. Consumir drogas faz mal? Sim, mas o corpo é uma posse individual, e temos o direito de destruí-lo se assim o entendermos, só não temos o direito de destruir o outro, os outros, e é isto o que o tráfico faz. Como coloca a teoria liberal mais clássica o Estado não tem o direito de me dizer o que eu devo consumir ou não consumir, o que eu devo pensar, como eu devo me vestir, me comportar. Quando nossos atos não atingem a liberdade dos outros, não destroem a coesão social, qualquer que seja a nossa ação ela é legítima.

Exemplo: quando eu chego em casa e tomo duas garrafas de uísque e caio embriagado na cama, isto é direito meu. Porém se eu vou ao supermercado, compro a bebida, tomo dirigindo e com meu veículo atropelo outras pessoas num ponto de ônibus ai sim estarei cometendo um delito, passível de punições e ai sim o Estado, como legítimo detentor da força e da violência, deve agir sobre a minha conduta.

Quando um jovem entra numa farmácia e compra 100 gramas de cocaína e em sua casa, numa festa, cheira o pó e tem alucinações, e nada mais que isto, como condená-lo a alguma coisa? Contudo se o mesmo após o consumo ou para continuar o consumo rouba um relógio, um tênis, este deve responder pelo seu crime (roubo) e não pelo fato de ser usuário de drogas. Com o uso individual da droga ele só causa danos a si mesmo, quando ele rouba para comprar drogas ele causa danos sociais, ai o Estado atua e lhe confere sua força e repressão de maneira legítima.

A outra razão é a mais simples: o traficante não quer perder a rentabilidade e o poderio conquistados pela existência deste mercado proibitivo, paralelo, e muito, muito lucrativo. Se amanhã todo mundo tem o produto que hoje eu vendo com certa exclusividade o negócio em certo se tornará menos atrativo, pois a concorrência e a legalidade abaixará os preços e diminuirá os meus lucros.

Portanto, amigos, amigas, cidadãos do Brasil, vos conclamo a um desafio: vamos legalizar as drogas, vamos dar um fim ao tráfico, e daí procuremos tratar nossos viciados como hoje os AA tratam de dependentes do álcool, com campanhas do Ministério da Saúde (oferecendo gratuitamente tratamentos de desintoxicação), e para aqueles que ainda assim, cientes dos perigos do consumo de drogas, insistem em usá-las não nos restará outra coisa senão respeitá-los e aceitá-los em suas decisões mesmo que estas lhe causem a morte brevemente, e estes só seriam responsabilizados ou mesmo punidos pelo Estado caso cometessem crimes comuns derivativos do uso e não condenados pelo uso pura e simplesmente. Chega de hipocrisia. Além das drogas, a hipocrisia mata!

Abraços liberais.

Tiago Menta.

2 comentários:

Anônimo disse...

Gostaria de expor a minha opinião, me sinto fragilizada diante de tanta desgraça que as drogas nos trás, tenho 26 anos tive uma adolescência normal, curti muito e nunca consumi nenhum tipo de droga, isto porque dentro de mim, sempre teve estabelecido que o principal motivo por estarmos morrendo vítimas do tráfico, é por existir o usuário de drogas, é por causa do seu egoísmo de querer sentir prazer com o consumo de uma droga, abastece e torna rentável para os traficantes.
Só existirá o TRAFICANTE, por causa do LUCRO excessivo! Enquanto houver o CONSUMIDOR as mortes continuaram.
Seria muito mais fácil se os usuário percebessem que não são vítimas, mas são sim responsáveis por essas desgraças que matam mais que a guerra.

Anônimo disse...

Falar sobre drogas já com um olhar de pré-conceito (tomar o conceito antes de se interar sobre o assunto) muitas vezes é motivado por idéias que já estão inseridas na sociedade, instaladas de forma hegemônica e não detectáveis por quem por ela é regido. É só pensarmos como a maconha era vista no início dos anos 20 do século passado nos EUA. Diziam "quem fuma maconha está propenso a cometer crimes" e lá mostrava no comercial o sujeito que ao tragar seu baseado era subitamente tomado por uma ira incontrolável, o que o levava a cometer um estrangulamento. Quem quiser ver um pouco mais sobre o assunto é muito bom um DVD produzido pela revista Superinteressante, que mostra justamente à questão da repressão as drogas e como era a própria ideologia da época em relação ao tema. Hoje em dia, por mais que as pessoas sejam contra, já sabem que a maconha não produz vontade de cometer crimes por quem a usa, ou seja, a idéia hegemônica que existia na sociedade da época, a qual muitos acreditavam piamente, foi derrubada ao decorrer dos tempos.
Assim como A não é igual a B, um indivíduo não é igual ao outro. A droga em um determinado sujeito, que tem uma determinada maneira de funcionamento da mente (a maneira particular que ele interpreta as coisas do mundo) age de uma maneira nele que será diferente da reação de outra pessoa que tenha usado a mesma substância e que possui um outro modo de funcionamento da mente. Conheço algumas pessoas que usam drogas e levam uma vida normal, pungente, que conseguem exercer suas virtudes e, muitas vezes, atribuindo isto a própria droga. Mas também conheço outras que são completamente destruídas pelas mesmas. São sequeladas, esquecidas, preguiçosas, entre outras não-qualidades.
O que explica isto? Simples; o poder da mente é característico, particular do próprio sujeito. Ou seja, o próprio indivíduo faz a sua realidade de mundo dentro da sua própria mente. Por isso, para alguns, em suas mentes há a idéia de que a droga lhes fará ficarem mais criativos, perceptivos, etc, o que de fato acaba acontecendo (pensemos em Balzac, por exemplo) E têm aqueles que usam e, como conseqüência, travam, ficam debilitados. Talvez, podendo até ser um problema já inerente ao próprio sujeito e apenas potencializado pela droga, quem sabe. Mas, de fato, nossa mente muitas vezes constrói nossos próprios monstros, com ou sem drogas.
Nesse sentido, então, acho que cada pessoa é livre para escolher o que melhor lhe faz, o que de melhor possa ser uma coisa para si no mundo em que vive, não podendo, nem mesmo, ser compreendido por outrem a maneira como a droga nele reage, pois sensações não são transmissíveis, são apenas codificadas (palavras) por nós na tentativa de, justamente, compreende-las.
Nunca existiu e nunca existirá sociedade sem drogas. Resta ao homem se adequar a sua própria natureza. Chega de hipocrisia já!