quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Discutindo "Che"

Amigos e amigas, não poderia deixar passar em branco, sem nada dizer ou pronunciar, como historiador que sou por profissão, algumas palavras sobre a figura revolucionária, inspiradora para muitos, hoje ainda em voga (mais pelo lado estético, menos pelo viés ideológico) - Ernesto "Che" Guevara.

"Che" é talvez a figura mais típica da Guerra Fria, daqueles anos o
nde o mundo se dividia entre capitalistas e socialistas. E neste arcabouço vieram a corrida espacial e armamentista, Stálin, Kennedy, Krutchev, Lindon Johnson, as ditaduras latino-americanas, as Revoluções na China e em Cuba, a guerra do Vietnã, e por fim Reagen, a dama de ferro inglesa, Gorbatchev, a queda do muro de Berlim, etc...

"Che" pertence a esta época não só fisicamente, mas primordialmente Che viveu de maneira "ideológica". Até em suas cartas mais pessoais, por exemplo enviadas para os filhos que mal convivera enquanto lutava pelos seus ideais, ele afirmava coisas do tipo "quando o imperialismo acabar o papai vai levar todos vocês para passear (...) estude minha filha, seja uma revolucionária (...) quando você crescer e ass
umir seu papel na luta você entenderá porque estou sempre distante de vocês (...)".

Porém é necessário reafirmar, nestes 40 anos passados, que "Che" morreu. Sim, ele está morto, e levara consigo uma época, uma ideologia. E o que hoje vemos como guevarismo é muito mais um estilo, um estilo arrojado e adolescente (conflituoso, desafiador), no sentido estético que ainda se faz representar (vendagem de camisetas, bonés, posters) do que propriamente o guevarismo representava nos idos dos anos 60 e 70 - uma opção política, uma via social, de luta, de guerrilha, alinhada com o projeto socialista que ainda pulsava naquele momento.

"Che" tornou-se uma marca mundialmente conhecida, não pelo homem que foi, mas como símbolo de rebeldia, metamorfoseado em uma espécie de James Dean da América Latina. Sua chama, com os tempos, vai se esvaindo pouco a pouco, até pela mercantilização da figura de "Che", e creio que esta chama encontrará o seu derradeiro final no dia, próximo, em que Fidel Castro, ditador cubano que governa a ilha socialista a mais de 40 anos, finalmente desencarnar e deixar o povo cubano
em paz.

Aqueles, poucos, mas ainda sobreviventes, que exalam certo guevarismo em nossas universidades e cursos d
e ciências humanas, são como coloca o professor Ghiraldelli "aborrecentes" que promovem o guevarismo utilizando-se, inapropriadamente do discurso de Marx. Ou seja, estudam Marx, lêem Marx, mas enxergam "Che" e escrevem, pobremente, como "Che".

"Che" que tentou, mas não conseguiu, transformar-se num teórico do socialismo. "Che" é uma espécie de "filho bastardo", junto com Fidel Castro, do m
odelo chinês da via socialista - a guerrilha. Mãe chinesa que dera a luz a manifestações tupiniquins, como José Dirceu (que treinou guerrilha em Cuba) ou o hoje ministro Franklin Martins (partícipe do sequestro do embaixador norte-americano durante nossa ditadura militar). "Che" tentou ler Hegel, e como diz em cartas "não consegui compreendê-lo", e ao citar as leituras que fazia dos textos de Karl Marx o citava pelo apelido de "São Carlos"! "Che" enviou ao ministro da educação cubano um programa de estudos para as escolas cubanas que incluía as leituras de Lênin, Stálin, Trotski, Martí. "Che", como todo bom comunista, quis inserir componentes ideológicos na educação, doutrinando-a.

E assim pintamos o retrato de Ernesto Guevara - médico medíocre, teórico medíocre, escritor medíocre, porém homem extremamente idealista (a ponto de alienar-se por completo como indivíduo), corajoso. Aqueles que ainda se inspiram em "Che" o fazem por não vislumbrarem outras saídas, verdadeiras, para os problemas latino-americanos - e isto ocorre por incompreensão da realidade e por l
eituras retorcidas e incompetentes do mundo contemporâneo. E fazem isso justificando a ação, a ação revolucionária, o socialismo prático e segundo estes, necessário. As Farc colombianas se alimentam disso até hoje.

Não há imperialismos no sentido que haviam nos anos 60, 70; não há mais uma via socialista, até porque o socialismo morreu definitivamente com o bloco soviético e seus filhotes; as guerrilhas de hoje são mais uma corja de bandidos do que
homens com verdadeiros ideais de transformação social; vivemos na arena globalizada, mundializada, e não mais cabe vislumbres de uma latinidade, de um projeto latino-americano; Che foi morto na Bolívia em 1967 e continua morto, duplamente: como ser e como símbolo ideológico. E quem ainda lhe concede alguma vida? O mercado. Quanta ironia, e se "Che" estiver no inferno a sua estadia será ainda mais dolorosa ao saber que as forças capitalistas hoje usufruem de sua imagem, transformada em milhões e milhões de camisetas e outros produtos.

"Che" é sucesso de vendas, "Che" é hoje, em 2007, um gerador eficiente de mais-valia. Parabéns Guevara....

Continuando a prosear sobre Ernesto "Che" Guevara, o professor Paulo Ghiraldelli Júnior me enviou um texto muito bom sobre o guevarismo camuflado de um pretenso marxismo que hoje se prolifera nos trabalhos acadêmicos.

Pobre professor Paulo, lhe imagino lendo as alucinações revolucionárias de algumas mulas esquerdistas que ainda se reproduzem em nossas instituições de ensino "superior". E para tornar mais agravante, o guevarismo adentra a teoria da educação, só faltando a transformação de nossas escolas em verdadeiras guerrilhas, com nossos alunos uniformizados pela incompetência e armados com a intolerância.

E pior ainda para o ge
nial Karl Marx. Transformado em "Che". Em comum os dois só tinham o fato de não tomarem banho (Guevara passou 6 meses sem tomar um único banho quando estava em terras bolivianas, e Marx era sempre alertado pela mãe que em cartas pedia ao filho que cuidasse de sua higiene). No mais são seres de planetas diferentes: Marx inclusive condena os ditos marxistas, e "Che" alinha-se mais a Lênin e a Stálin, todos marxistas e alienados. Marx é uma espécie de "Platão" dentro da teoria socialista, ou seja, ele é um paradigma. Todos os posteriores tomaram seus trabalhos como uma revisão ou mesmo interpretação das obras fundantes de Marx, e pior, sem a sua competência.

Abraços liberais a todos e boa leitura.....

O divertido Karl Marx,
os aborrecentes marxistas e a Universidade
[publicado em www.ghiraldelli.pro.br]
Em uma dessas dezenas de textos que contam coisas – para o bem e para o mal – sobre Chê Guevara, li algo que me fez rir bastante. O autor começou o texto assim: “Chê foi diferente de Marx, Engels e outros revolucionários, pois não escreveu tanto quanto eles, ele se preocupou com a revolução na prática (...)”. Essas coisas é que fazem com que eu ainda perca algum tempo com os que se dizem marxistas. Eles são simplórios e são divertidos.
Mas uma boa parte dos marxistas não são divertidos – dizem uns amigos. Sim ... acho que tenho de concordar.
Há entre os marxistas os “aborrecentes”. São os adolescentes do marxismo. Marx tinha grande senso de humor e odiava os marxistas. Quando começou a ver que alguns dos marxistas estavam já prontos para encapsular em fórmulas ridículas o que ele havia escrito, dessas que são a especialidade de professores universitários, ele reagiu dizendo que ele próprio não era e nunca havia sido marxista. E não podia ser mesmo. Pois já no tempo de Marx o marxista era um simplório, um chato, um cara sem humor.
Marx escreveu uma boa parte de seus textos em meio a brincadeiras, risadas, formulação de piadas e imaginação pervertida. Ele e Engels diferiam em muito dos alemães e ingleses de sua época. Não eram sisudos. Eram ... quase latinos. Tinham piadas para todos que atacavam – vivos ou mortos. E elaboravam com cuidado cada frase, de modo a criar aquele efeito que nos últimos anos só vi Richard Rorty fazer melhor. Esse “espírito de porco” da dupla foi testemunhado várias vezes por uma das filhas de Marx. Em especial o Manifesto Comunista e A Ideologia Alemã foram textos nascidos assim, sob um clima brincalhão. Esse foi o retrato pintado pelos que viveram com Marx. O retrato de dois escritores que, não raro, eram perseguidos pela polícia, mas que odiavam andar armados e não aconselhavam ninguém a portar armar. Só uma pessoa muito doente da cabeça pegaria um rifle ou um revolver e afirmaria estar fazendo aquilo por sugestão de Marx – direta, ou indireta, por meio de seus escritos.
Chê e muitos outros que não sabiam escrever bem, nem tinham dotes intelectuais, optaram pela revolução em forma não de guerra ou de guerrilhas, mas pelo que iria se transformar em simples assassinato. As pessoas que entram em uma revolução armada quando ela “estoura” possuem um tipo de responsabilidade. Mas as pessoas que planejam um ataque deveriam pensar antes, e muito, pois há outro tipo de responsabilidade envolvida nisso. Uma delas é a seguinte: em um dado momento acaba a aventura, o humor não tem mais sentido, e é necessário ver o que fazer com os “prisioneiros do novo regime”. Nem bem acabam de falar em “libertação” e já estão com um bocado de gente nas mãos, que vai receber grilhões em vez de ser libertada. E então há os ditos tribunais revolucionários, onde todo tipo de injustiça e crueldade é cometida no altar da Liberdade. A liberdade manchada, envergonhada, se retira. Nasce algo pior do que aquilo que havia antes: a ditadura. O fim das “liberdades burguesas” não dá espaço para a liberdade tout court, mas para o totalitarismo tout court.
Cuba após Chê se tornou um país sério demais; a Ilha perdeu o espírito de humor que havia nela própria e em Marx, e que deveria haver no marxismo, mas que Marx achava que jamais haveria. E Chê destruiu a economia de Cuba e então foi para a Bolívia.
O que teria acontecido a todos nós na América Latina se Chê tivesse encontrado mais gente igual a ele, que escrevia pouco, pensava menos, e queria “fazer a revolução”? Estaríamos hoje como a África. Ou seja, de Terceiro Mundo passaríamos para Quarto ou Quinto Mundo. Pois a África é o que é hoje, um poço de mazelas, por causa de anos de guerra e guerrilhas. Os imperialismos de Portugal, França e Inglaterra não haviam feito tão mal ao continente africano quanto os africanos fizeram a si mesmos após terem descoberto as ideologias e a política ocidental. E o marxismo esteve metido nisso. A América Latina se livrou disso. Infelizmente foi pelo caminho errado das ditaduras de direita, que também trouxeram sangue. Todavia, saímos delas – para a democracia. Creio que estamos melhor hoje, com quase todos os países da América Latina seguindo o caminho da democracia. É na democracia que podemos protestar e é nela que a cultura da América Latina tem sua melhor chance. Latinos gostam de rir, como Marx, por isso, Chê não teve sucesso com seu marxismo. Ele foi para um lado, os bolivianos, para outro, naqueles anos 60. Nós também. E até hoje, a maioria de nós, da América Latina, desaprova o marxismo, ainda que muitos entre nós tenhamos tido educação correta para entender que Marx é importante, inteligente e que é difícil não gostar dele. Marx era um filósofo de mão cheia.
Mas o marxismo tem outro problema, que também deixava Marx com as barbas de molho. Era a tal “ciência da história”. Marx nunca pensou que ele havia descoberto os caminhos da história do futuro. Ele entendia a filosofia e a teoria como Hegel, algo que vem depois, quando já se está no poente. Portanto, tanto para Hegel quanto para ele, a teoria não serve para guiar quem quer escrever a história. A teoria serve para o historiador poder “compreender” – “com-apreender” – o que ele escreveu após sua pesquisa. Ela é um tipo de filosofia. É um passo racionalizador após a pesquisa. É uma régua mole para ter onde encostar a pesquisa e dizer algo do tipo: “bom, é hora de mudar o que escrevi ou é hora de ver que aqui, neste ponto, o futuro está sendo construído bem diferente do retrato do passado?”
Marx não tinha nenhuma teoria para guiá-lo no trabalho de filósofo, historiador e investigador. Ele usava de sua teoria, formalizada no Prefácio do livro Introdução à crítica da economia política (1859), não para pesquisar, mas para estudar. Ele mesmo diz isso. Era um guia de estudos, não uma metodologia de pesquisa. Sua metodologia de pesquisa era completamente diferente da posta no prefácio de 1959 ou nas diretrizes gerais do Manifesto Comunista. Era a do pesquisador empirista que se locupletava em documentos de todo tipo, principalmente aqueles que contrariavam seu humor. Marx odiava quem não reconhecia a força de um documento que contraria nossa vontade e nosso humor. Por isso, muitas vezes, após escrever, ele mesmo dizia, prefaciando: o que escrevi é menos róseo do que muitos podem gostar. O Capital tem esse tipo de declaração. Não é uma declaração de júbilo. Marx a faz de modo triste, pois ele gostaria de ter escrito algo que fosse mais róseo, mas doce. Não conseguiu. Os dados a respeito da vida operária eram duros, tristes, e ele então falou das terras onde o carneiro devorava o homem e dos lugares onde a fábula de Agripa, a do homem dividido em pedaços do corpo, era uma realidade. Nessas horas, Marx riu bem menos. Em favor da boa pesquisa, os dados empíricos tinham de falar mais alto. E falaram.
O que vemos na história do marxismo, em especial o acadêmico, então impregnado pela política militante, é exatamente o oposto disso. A maioria dos estudantes e professores universitários que vejo trabalhar com o marxismo produzem textos em que a preocupação maior é mostrar que, apesar dos dados empíricos, o capitalismo vai mal e a revolução é necessária. Ou, então, que a história é a história da luta de classes. Ou então que a sociologia é aquela da metáfora da base e estrutura. Ou que as tais forças produtivas vão entrar “em contradição” com as relações de produção etc. Os documentos desse pessoal, quando o orientador é sério e não é burro, são exaustivos. Mas, ainda assim, a coisa não anda. Os textos finais não mostram aquilo que o autor gostaria de mostrar segundo sua ideologia, então, o autor escreve a cartilha do marxismo e desconsidera a documentação. Essa é a praxe de todos os grupos marxistas acadêmicos que conheço no Brasil – e olha que não conheci poucos, nesses últimos 32 ou 33 anos de trabalho como filósofo. Tornam-se desonestos por comungarem de uma metodologia de pesquisa que não é a de Marx. Marx estava muito mais para o empirismo preconizado por Bacon do que para o racionalismo do seu Prefácio de 1959. Por uma razão óbvia: seu prefácio e o Manifesto eram textos claramente filosóficos, não textos de metodologia para a pesquisa em história.
No campo educacional, então, nem se fale. Talvez seja a área acadêmica que mais tenha textos com o invólucro marxista que torna a pesquisa uma coisa burra, estúpida. Na história da educação – e a Unicamp parece ter se tornado paradigma disso, com sua filial na UFSCar – é que há o maior número de guevaristas. Os que gostariam de empunhar uma arma, já que dificilmente se saem bem lendo e escrevendo, ganharam os postos da história da educação e, não raro, da filosofia da educação. Espalharam fezes metodológicas. Criaram a metodologia da direita, igual a da Veja: se podemos mentir, uma vez que estamos de posse do rumo da história, para que se preocupar com a verdade? É incrível como acham, sem pudor algum, que o trabalho que fazem é mesmo o de propagar ideologias, sem qualquer preocupação séria com o material empírico que, não raro, desmente suas ideologias – ou desmentiria, se soubessem utilizá-lo.
Como editor, abro teses e mais teses, e mesmo as de autores já veteranos, e encontro menos Marx e mais Chê, ou seja, mais a apologia da revolução e menos a força do mundo empírico e a sabedoria da razão. Os dados do texto vão para um lado (isso quando o próprio autor não manipulou sorrateiramente os dados) enquanto que a interpretação teórica vai por outro. A esquizofrenia teórica é elogiada nas bancas de doutorado pelos marxistas que, enfim, “orientaram” o escrito da garota (ou garoto). E a garota que está ali para ser examinada, e que logo ocupará a cátedra (em concurso fajuto, como sempre) servirá de correia de transmissão para a seita do chefe do local – departamento ou setor de pós-graduação, lotado de medíocres hoje em dia. Ora, qual o valor de uma universidade assim, para o país? Nenhum.
Sim, esse tipo de escrito não poderia ser livro, e de fato não é, é tese. Mas, no Brasil, não podemos ficar só com livros que realmente ganham o mercado, temos de considerar também as teses. E eis aí nosso infortúnio. Temos de ler essa porcaria. Uma das coisas que fez com que eu abandonasse a universidade não foi só o autoritarismo e a desonestidade do meio universitário brasileiro; eu a deixei por não suportar a burrice reiterada em forma de marxismo. Foi para me livrar de ler teses que larguei a universidade brasileira. Era ruim demais. Era como ter de assistir Chê na Bolívia, agachado ali no mato, defecando, em vez de ver Marx de terno e gravata, sorrindo e escrevendo suas diatribes européias.
É graças a esse tipo de coisa que hoje, cada vez mais, há imensa dificuldade em conquistar jovens inteligentes para fazer pesquisa no campo marxista. Para esse campo só se dirigem os piores, os com falta de talento. Quando chegam até meu escritório teses de grupos marxistas, eu tento ver se aproveito. Mas é inútil. É a guevarização da universidade. Ela se tornou menos apta para o serviço que deveria ser seu destino. Podemos rir desses simplórios. Mas após algum tempo, eles se repetem demais na piada. E aí, realmente, são os “aborrecentes” – os adolescentes do marxismo. A direita fundamentalista não faz melhor, não fazia melhor. Mas ela está, na sua maior parte, fora da universidade, magoada, gritando. Dentro da universidade há a corporação de marxistas e seus amigos. E quando isso chega aos programas de pós-graduação, então, não há mais saída. Temos de assistir o emburrecimento dos locais que deveriam ser exatamente os desemburrecedores do país. Bem, vai ver que estou enganado. Chê não foi derrotado. Ele vive. E não só em camisetas.
Paulo Ghiraldelli Jr.
O Filósofo da Cidade de S.Paulo
www.ghiraldelli.pro.br

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